De comprador a vendedor
A descoberta das maiores reservas já encontradas abre uma possibilidade real de que o Brasil possa se transformar em exportador de petróleo
PROMESSA Para diretores da Petrobras, a descoberta da reserva de Tupi, na Bacia de Santos, indica um lençol com petróleo equivalente a 150 anos do consumo atual no Brasil |
Petróleo o Brasil tem para abastecer o mundo inteiro durante séculos. (...) No dia em que o Brasil passar de comprador a vendedor de petróleo, então deixaremos de ver essa coisa tristíssima de hoje: milhões de brasileiros descalços, analfabetos, andrajosos – na miséria.”
A frase do Visconde de Sabugosa, o imortal personagem de Monteiro Lobato, ganhou na semana passada ares de profecia. A ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, anunciou a descoberta daquelas que, se confirmadas as previsões, são as maiores reservas petrolíferas do Brasil. No papel, elas elevam as jazidas de óleo e gás do país à nona posição entre as maiores do mundo, comparáveis às de países como Venezuela, Nigéria e Kuwait (leia o quadro ). Num momento em que o mundo todo vive uma transição energética do petróleo para fontes alternativas, em que o Brasil se vê imerso numa crise causada pela dependência do gás boliviano e, ao mesmo tempo, emerge como uma potência global do etanol, essa descoberta pode redesenhar completamente o panorama da energia nacional. Ainda é cedo para avaliar suas conseqüências concretas, mas desde já se podem formular as principais questões:
1) Qual será o impacto na economia e no dia-a-dia do brasileiro?
2) Que efeito ela poderá ter no equilíbrio de poder entre o Brasil e as demais nações?
Para responder, primeiro é preciso entender a extensão e o significado das novas reservas. Elas se estendem, segundo os estudos, por uma área que vai do litoral de Santa Catarina ao Espírito Santo. São 160 mil quilômetros quadrados abaixo do leito marinho, uma superfície maior que o Estado do Ceará. Numa região geológica formada há 120 milhões de anos, chamada pelos técnicos de pré-sal, a Petrobras e duas parceiras internacionais (a britânica BG e a portuguesa Petrogal) anunciaram a existência de uma área, batizada provisoriamente de Tupi, contendo algo entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de petróleo e gás. Ao presidente Lula, no entanto, a direção da Petrobras informou reservadamente que os s estudos sugerem que, no total, haja em toda a nova bacia jazidas de 80 bilhões de barris. Isso equivaleria, caso tudo fosse extraído, a 150 anos do consumo atual brasileiro de petróleo. Se por um passe de mágica todo esse petróleo aflorasse de uma só vez à superfície, corresponderia a algo como US$ 8 trilhões, sem levar em conta os custos de extração. As reservas, segundo disseram a ÉPOCA um ministro do Planalto e um dirigente da estatal, superam as da Nigéria e se aproximam das jazidas da Venezuela. “Essa é a melhor notícia que o Brasil recebeu nos últimos 30 ou 40 anos”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última quinta-feira, pouco antes do anúncio.
Lula sabia da descoberta desde março passado. Na ocasião, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, informara que um poço que fora perfurado em julho de 2006 poderia transformar o Brasil em exportador de petróleo. O significado concreto desse novo poço, porém, só ficou claro para o presidente na manhã de 26 de outubro. Foi quando Lula assistiu a uma apresentação na Sala de Visualização do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (Cenpes) da Petrobras na Ilha do Fundão, Rio de Janeiro. Com imagens projetadas em três dimensões, diretores da Petrobras mostraram a Lula a reprodução do que seria a enorme bacia de petróleo. Depois disso, Lula comunicou a descoberta aos governadores que foram acompanhá-lo durante a viagem à Suíça em que o Brasil se tornou a sede oficial da Copa de 2014.
Entre as primeiras informações sobre a existência da super-reserva, divulgadas em 2003, e o anúncio da descoberta, há uma história com ingredientes típicos da indústria do petróleo: investimentos ousados, desenvolvimento tecnológico, compra de cérebros, especulação de mercado, contra-informação e dinheiro, muito dinheiro.
Foram necessários 400 dias de perfuração para que jorrasse petróleo do primeiro poço, a um custo de US$ 260 milhões. Essa primeira descoberta foi anunciada em julho de 2006. Houve mais sete perfurações bem-sucedidas. Na última, o custo já havia caído para US$ 60 milhões, e o tempo de perfuração fora reduzido para 60 dias devido ao conhecimento acumulado e às novas tecnologias. Em fevereiro, a BG enviou comunicado à Bolsa de s Londres antecipando a descoberta. A Petrobras, que tudo sabia, respondeu com um comunicado qualificando de prematura a informação de sua parceira. Logo após o anúncio da descoberta, as ações da Petrobras – tradicionalmente as mais procuradas na Bolsa de Valores de São Paulo – fecharam com alta de quase 15%. A procura fez com que seu valor de mercado chegasse a R$ 385 bilhões, contra R$ 291 bilhões da Vale do Rio Doce, a segunda maior companhia brasileira. Segundo comunicado distribuído pela companhia, “a análise e a interpretação dos dados de produção obtidos nos oito poços testados, com elevadíssima produtividade, forneceram elementos concretos que permitem garantir que o Brasil está diante da descoberta da maior província petrolífera do país, equivalente às mais importantes áreas petrolíferas do planeta”.
BOMBAS SOB CONTROLE A prioridade para o uso do gás em usinas termelétricas, como a de Piratininga, em São Paulo, poderá levar a novos racionamentos do produto nos postos de combustíveis |
Ainda que a confirmação esteja em aberto, a descoberta em si já inaugura uma nova fronteira na busca por petróleo e gás no Brasil. “Ela muda as perspectivas do país sobre segurança energética. É cedo ainda para efeitos práticos, mas uma empresa petrolífera vale por suas reservas”, afirma David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Abre também perspectivas sobre as riquezas desconhecidas que podem estar debaixo do oceano. “O mais importante desse anúncio foi saber que essas áreas de ocorrência de petróleo na camada pré-sal estão interligadas, o que vai baratear muito a exploração”, diz o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).
O entusiasmo do governo em torno da notícia é visto com cautela por alguns observadores. Em outras ocasiões as estimativas iniciais de reservas não se justificaram. Foi o caso do campo de gás de Mexilhão, na Bacia de Santos, do campo de petróleo de Namorado, na costa fluminense, e de um campo de Sergipe, em 2003. O ceticismo pode ainda ser justificado pelos seguintes motivos:
1) A Petrobras ainda não declarou oficialmente se é viável produzir petróleo naquele bloco. A empresa já sabe que o óleo está lá embaixo, que ele é melhor e mais leve que o normalmente encontrado no Brasil. Mas ainda fará mais dez poços para ter certeza se valerá a pena, do ponto de vista econômico, extraí-lo do fundo do mar.
2) Para declarar que o bloco é viável economicamente, a Petrobras precisa confirmar a produtividade dos poços. Não adianta furar e tirar petróleo lentamente. Por estar em áreas muito profundas, esses poços custam caro. Geólogos consultados afirmam que eles só valerão a pena se produzirem um mínimo de 20 mil barris por dia. Os primeiros testes, que não usam toda a abertura do poço, sugerem boa vazão.
3) O preço do barril do petróleo é determinante. Essa é a parte imponderável da equação. Hoje, a cotação próxima à casa dos US$ 100 tem impulsionado a procura por petróleo em áreas remotas e de difícil acesso. Caso essa tendência mude, ficaria ameaçado um projeto ousado como o da Petrobras.
Por dentro da descoberta |
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Qual deverá ser o impacto das novas reservas caso as estimativas iniciais do governo se confirmem |
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